O enfarte é uma das doenças que mais preocupa as pessoas devido ao risco de morte súbita. Mas, na última década, diversos marcadores cardíacos foram incorporados à prática clínica com o objetivo de preveni-lo. Entre eles, a proteína C-reativa ultra-sensível é considerada um dos mais importantes, além de ser simples, seguro e de custo razoável para os pacientes Por Ludmila Vitorasso
Atualmente, as doenças cardíacas são as que mais matam pessoas no mundo inteiro. Uma das vítimas famosas mais recentes da doença foi o humorista Cláudio Besserman Vianna, o Bussunda, que teve um enfarte na Alemanha quando cobria a Copa do Mundo para o programa Casseta & Planeta, da Rede Globo.
Esse triste episódio chamou a atenção da população para o risco de enfarte. No primeiro dia útil após a morte do humorista, o número de pacientes que procuraram os hospitais públicos, privados e consultórios médicos de São Paulo com queixas de problemas referentes ao coração aumentou em 30%. Segundo os médicos, esse crescimento já era esperado, pois sempre aumenta a procura por especialistas após o falecimento de uma pessoa famosa.
Cerca de 17 milhões de pessoas morrem vítimas de enfarte, anualmente. No Brasil, são 300 mil vítimas por ano. As estimativas não são boas. Segundo especialistas, no ano de 2020, as mortes causadas por doenças cardiovasculares devem ultrapassar a marca de 25 milhões de pessoas. O principal motivo é o aumento dos casos de obesidade, hipertensão e o estresse.
Os cardiologistas afirmam que ninguém está livre de sofrer um enfarte, pois além dos fatores hereditários, que podem comprometer pessoas com histórico da doença na família em qualquer faixa etária, existem os fatores de risco. Nesse aspecto, os médicos costumam classificar a hipertensão, diabete, colesterol alto e tabagismo como quarteto mortal. O humorista do Casseta & Planeta possuía pelo menos cinco fatores significativos: Tinha 43 anos, gordura abdominal, pressão alta, colesterol alto e hereditariedade, pois a mãe de Bussunda também faleceu vítima de enfarte.
Ao contrário do que muitos pensam sobre a idade das vítimas, enfarte, a freqüência de ataques do coração em pessoas com menos de 55 anos é elevada. Corresponde a 50% dos casos. Devido a isso, os médicos recomendam que os primeiros controles preventivos sejam realizados a partir dos 20 anos.
Prevenção. Com o aperfeiçoamento das técnicas de diagnóstico e da identificação de substâncias associadas aos distúrbios do coração, atualmente é possível fazer uma análise minuciosa da saúde do coração e prever com segurança a probabilidade de uma pessoa vir a sofrer de problemas cardíacos num prazo de dez anos. Segundo o professor da Universidade Federal do Ceará e cardiologista Ricardo Pereira Silva, o alto número de vítimas pode estar ligado à falta de prevenção e à falta de avaliação médica periódica. A Sociedade Brasileira de Cardiologia calcula que menos de 10% das vítimas potenciais de um enfarte submetem-se aos exames cardíacos.
Ainda segundo o cardiologista, não existe um “check-up padrão”. “A avaliação deve ser feita individualmente, respeitando as particularidades de cada indivíduo em relação à idade, sexo, outras doenças pré-existentes, etc”, frisa o médico. Ele ainda recomenda avaliação periódica com um clínico ou cardiologista. “Dependendo do resultado da avaliação clínica, dos exames laboratoriais e do eletrocardiograma, poderão ser solicitados outros exames cardiológicos como ecocardiograma, teste ergométrico, etc”, explica Ricardo Pereira.
Além das clássicas medições de colesterol, pressão arterial, glicemia e circunferência abdominal, importantes marcadores cardíacos foram incorporados à prática clínica nos últimos anos, entre eles está a análise das taxas da proteína C-reativa ultra-sensível.
Recurso de esperança. Além de ser considerado um importante marcador cardíaco, a proteína C-reativa ultra-sensível é um dos mais simples e de custo acessível.
Desde o final dos anos de 1960, os médicos assumiram que quanto mais alto o índice de LDL — mau colesterol — no sangue, maior é o risco de ataque cardíaco, embora apenas 50% dos episódios de enfarto sejam explicados por meio de níveis altos de colesterol. A outra metade ocorre em pessoas que possuem colesterol normal.
Se não existe essa unanimidade em relação ao colesterol, há uma relação muito clara entre os níveis elevados de proteína C-reativa — PCR — e os ataques cardíacos em todas as vítimas de enfarto, até mesmo nas que possuem LDL baixo.
Em pessoas normais, a PCR existe em pequenas quantidades no sangue. O cardiologista Ricardo Pereira explica que essa proteína é um marcador de inflamação. “Como a doença coronariana tem um componente inflamatório, essa proteína está elevada em portadores desta enfermidade”. Ele ainda ressalta que a dosagem dessa proteína “é muito importante para os pacientes que possuem moderado risco de apresentar doença coronariana”.
Estudos mostram que mesmo um discreto aumento dessa proteína é um fator de risco cardiovascular independente de outros já conhecidos, como os níveis de colesterol, apolipoproteína B-100 e homocisteína. Na avaliação de risco de doença cardiovascular, valores de PCR inferiores a 0,3 mg/dL são considerados satisfatórios, enquanto que níveis elevados se associam a maior risco cardiovascular. E quanto maior o nível, maior é a probabilidade de acidentes.
Um simples exame de sangue é capaz de avaliar a taxa de PCR no organismo. Mas como essa proteína se eleva em processos inflamatórios e infecciosos de forma geral, para a avaliação cardíaca, é importante afastar outros fatores que contribuem para seu aumento, como diabéticos complicados, inveterados fumantes, pacientes oncológicos e inflamações agudas ou crônicas, entre outros.
Segundo os médicos, os indivíduos que possuem níveis baixos de LDL e de PCR são os que correm menor risco de apresentarem doença cardiovascular. O contrário, se apresentar os dois índices elevados, o risco passa a ser de seis a nove vezes maior.
Devido à relação dessa proteína com os ataques cardíacos, desde 2002, a medição do índice de PCR no sangue foi incluída nas recomendações da Associação Americana de Cardiologia — AHA — como um item obrigatório na avaliação de risco coronariano.
* Matéria na íntegra na revista Fale!
Prof. Dr. Ricardo Pereira Silva
Professor de Cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Mestre pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (ESPM)
Doutor pela Universidade de São Paulo (USP)